O que o “fique em casa” nos fala sobre a Iniciação Cristã?

Imagem: Pixabay


#fiqueemcasa, é o que temos visto e ouvido por todos os lados nestas últimas semanas. Dentre as muitas preocupações da Igreja neste período de pandemia está a impossibilidade dos católicos se reunirem na assembleia dominical e nos encontros pastorais. Alguns pastores temem a perda da fé e do vínculo eclesial por parte do seu povo. Mas isso não é unicamente um pensamento do clero. Pelas redes digitais encontramos abaixo-assinados de católicos que veem a impossibilidade de participar do culto – para salvaguardar a vida – como um máximo obstáculo para o cultivo da fé.

A partir disso, surgem várias iniciativas virtuais e simbólicas de cunho religioso – mas nem sempre pastoral – que buscam manter vivo o desejo de espiritualidade no povo. Essa preocupação, por si só, deve despertar em nós a reflexão sobre como realizamos o processo mais fundamental da vida cristã: a iniciação. Afirmar que os cristãos em casa não saberão cultivar sua espiritualidade é atestar uma falha grave no processo iniciático, o que exige de nós sincera avaliação e conversão pastoral.

O fato é que a casa é núcleo essencial de vivência da fé. Nos tempos paleocristãos ela era vista como lugar da experiência de Deus. A Iniciação e tudo o que fazia parte da vida cristã estava envolvida e envolvia certa mística do lar, a ponto de já na segunda geração apostólica encontrarmos carimbada a expressão “domus eclesiae” (igreja doméstica). Porém, com o advento do período de cristandade, a espiritualidade da casa perde centralidade e gradativamente desenvolve-se a separação entre espaço sacro (igreja, templo, convento) e profano (casa, trabalho, sociedade).

Mais recentemente, a forma de conceber a vida cristã e o ser Igreja do Concílio Vaticano II motivou o resgate daquela experiência originária da fé e a busca por uma iniciação cristã abrangente e integral, que redescobrisse a dimensão eclesial do lar. O Documento Catequese Renovada (1983), da Igreja no Brasil, destaca que “na família cristã, em seu esforço de ser Igreja doméstica, somos chamados à primeira experiência de comunhão na fé, no amor e no serviço ao próximo” (n. 260). O documento 107 da CNBB – Iniciação à Vida Cristã, itinerário para formar discípulos missionários – com mais clareza afirma que “a família é chamada a ser lugar de iniciação, onde se aprende a rezar e a viver os valores da fé.” (n. 199). Até mesmo as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil para este quadriênio (documento 109), pedem que a Igreja seja cada vez mais casa-lar, dizendo: “Criar ‘um lar’, em suma, é aprender a se sentir unidos aos outros mais além dos vínculos utilitários ou funcionais, unidos de tal maneira que sintamos a vida um pouco mais humana”.

O que a Igreja nos pede, portanto, é que desde a Iniciação à Vida Cristã os católicos sejam formados para a compreensão da igreja (templo) como extensão da casa – da experiência de fé que nela se vive – e não o contrário. A querida catequista, Therezinha Cruz, afirmou que “uma catequese que caminha no seguimento de Jesus deveria educar crianças, jovens e adultos para ampliar, não reduzir, a igreja, o sagrado onde Deus se manifesta” (Este mundo de Deus: educar para a espiritualidade do cotidiano. Paulus). Quando na Iniciação à Vida Cristã esquecemos a dimensão eclesial da casa e damos mais importância ao ir à igreja do que ao ser Igreja, transmitimos uma fé esquartejada e corremos o sério risco de viver o que estamos experimentando agora: medo de, em casa, perder a fé e testemunho público de incompreensão do que é ser cristão.

Não basta mudar a linguagem, é preciso mudar os métodos, alargar os espaços e provocar encontros e unidade entre fé e vida. É urgente iniciar os neo-cristãos em uma espiritualidade do cotidiano, há muito esquecida. “Não se educa para a espiritualidade separando as pessoas do mundo ou criando nelas um sentimento de depreciação do que não traz o rótulo de ‘religioso’” (Therezinha Cruz). Que saibamos ler os sinais dos tempos que nos convidam a uma autêntica conversão pastoral e a integralidade da Iniciação à Vida Cristã.

Para refletir:
  • A Iniciação Cristã de minha comunidade educa para a mística do lar e para a vivência da fé em família?
  • O que precisa ser mudado em nosso método de iniciar na fé os/as novos/as cristãos/ãs para alcançar esse objetivo?


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