Maria, a menina do SIM
O Advento chega trazendo as surpresas de um novo ano litúrgico, um novo começo que nos reapresenta antigas imagens revestidas da sede de hoje. Dentre seus ícones mais preciosos, encontramos Maria de Nazaré, a escolhida Mãe, a menina do sim, a servidora desinstalada. Somos convidados a nos deixar iluminar por sua humanidade divinizada, que está sempre “de pé”, em prontidão às surpresas de Deus.
Uma antífona da festa da Imaculada Conceição assim canta:
Ave,
Rosa, tão bela e pura,
Sempre
aberta à graça de Deus;
ave,
Esposa fiel e bendita,
Ornada de
joias douradas;
Alegraste teu Deus, mais que os anjos.
A Igreja aclama Maria como rosa bela e pura. Estas atribuições indicam o mistério de sua concepção preservada do pecado das origens, aquela gota de veneno tão humana que nos faz querer ser deuses, viver para si, fechar-nos à vocação da verdadeira vida. A pureza é bela não quando é meramente externa, superficial ou autoimposta, mas sim quando é acolhida como dom que emana de fora e provém de Deus.
Maria é bela e pura ainda porque viveu aberta à graça de Deus. Se é verdade que cremos em sua concepção sem a mancha do pecado, é preciso crer também que ela permaneceu plena de graça, pois em sua liberdade escolheu o Senhor repetidas vezes. Ao nos criar, Deus nos dotou de inteligência, vontade e liberdade. Usando de nossa inteligência, podemos discernir a vontade. Mas alguém que se deixa guiar pelos ditos da vontade, não chega muito longe, pois esta é volúvel por natureza: ora quero dar um passo adiante, ora quero dar dois para trás.
A vontade não é boa guia, mas pode ser um bom impulso. Guia melhor será sempre a liberdade. Se a temos como farol, mesmo quando a vontade esmorecer, saberemos continuar adiante, pois para além do que desejo agora, sigo em direção ao que escolhi. Aqui vale uma sincera reflexão: no caminho de discernimento vocacional, dou mais ouvidos à vontade ou à liberdade de escolher o rumo a seguir?
A Menina de Nazaré soube fazer da vontade um impulso de liberdade até nos momentos mais exigentes de sua vida. A aclamamos como Esposa fiel e bendita, pois como prefiguração da Igreja, escolheu ficar de pé diante da Cruz do seu Filho. Ela é esposa porque participa da plena unidade com Deus, que nos é apresentada como núpcias. Esta é uma linda imagem: a união das núpcias, expressão de um esperado transbordamento de amor. Maria nos testemunha que não há nada mais belo, não há nada mais verdadeiro, nada que sacie mais, nada que dê mais alegria do que viver na comunhão com o Esposo aguardado, o Cristo Senhor.
A antífona nos fala que Maria foi ornada de joias douradas. Porém, se contemplamos os evangelhos, vemos uma mulher simples e singela. Nada nos santos relatos nos remete a uma mulher cheia de joias. Evidentemente a Liturgia não está falando das joias da riqueza humana, mas dos tesouros do céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e de onde os ladrões não podem roubar (cf. Mt 6,20). As joias que ela usa são aquelas que dinheiro algum pode comprar e joalheria nenhuma consegue expor: as joias das virtudes evangélicas, de uma vida bela e pura, sem dualidades, aberta à graça de Deus, fiel no amor até o fim.
Com essa certeza adentramos no último verso que traz a afirmação tão estranha e tão bonita: Alegraste teu Deus, mais que os anjos. Em nosso imaginário, os anjos são aqueles mensageiros que gozam da visão beatífica de Deus desde toda a eternidade, servindo-o continuamente. Como pode Maria, criatura humana, alegrar a Deus mais que os anjos? O que alegra a Deus?
Contemplando a vida de Maria, podemos encontrar as respostas. O que alegra a Deus não é o cumprimento rigorista da Lei, mas a singeleza de quem vive a vida como dom (cf. Lc 1,39); não é o fechamento na própria vontade, mas a abertura às suas surpresas (Lc 1,38); não é uma beatice superficial, mas o coração que ouve a Palavra e a põe singelamente em prática (cf. Lc 11,28); não é o desespero que vacila no amor, mas a vivência do sofrimento como oferta (cf. Jo 19,25). O que alegra a Deus não é um SIM condicionado, pressionado, imposto ou comedido, mas um SIM aberto e largo, livre e consciente, um SIM puro e belo, um SIM cotidiano e possível.
Que na vivência do Advento como tempo de esperança, possamos refletir sobre como está nossa resposta ao Senhor e saborear em nossos lábios o que canta toda a Igreja à Maria, Menina do SIM que alegra a Deus:
Florão da estirpe humana,
que amparas todo réu:
ajuda-nos na terra,
conduze-nos ao céu.
(Hino do Ofício das Leituras da Solenidade
da Imaculada Conceição de Maria)
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