Pandemia e a Morte de Si Mesmo
Imagem: Pixabay |
Em tempos de pandemia, libertamos descaradamente
o nosso sempre companheiro medo da morte. Tememos por nossa vida. Tememos pela
vida daqueles que amamos. Sobretudo quando a arma está apontada direto para os
que são nossas bases: mães, pais, avós, avôs, nossos idosos. A amargura é
acentuada quando vemos o desprezo pela vida dos anciãos partindo, justamente,
daquele que deveria ser o primeiro em sua defesa: o presidente da república. E
por quê?
A justificativa é simples, feita em uma
língua global, compreendida por todos e falada por poucos: para proteger a
economia. Em tempos de pandemia, o poder econômico liberta descaradamente o seu
sempre companheiro medo da recessão. Teme pela bolsa. Teme pelo capital de
giro. Teme pela redução dos zeros.
“Esta
economia mata”, denuncia o Papa Francisco na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (n. 53). “A dignidade
de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam estruturar toda a
política econômica, mas às vezes parecem somente apêndices adicionados de fora
para completar um discurso político sem perspectivas nem programas de
verdadeiro desenvolvimento integral.” Evangelii
Gaudium (n. 53).
O
deus-dinheiro anseia por sacrifícios humanos e nosso país se prepara para obedecê-lo.
Primeiro, ofertamos nossos idosos, guardiões da memória e da cultura, dos
valores e das humanidades. Depois, os doentes, ainda que jovens, pois mais
custam do que produzem. Enfim, aqueles que já nem se pode justificar. “Para
defender este sistema econômico idolátrico chega-se a instaurar a ‘cultura do
descarte’” (Papa Francisco. Encontro com os Trabalhadores, Cagliari. 2013).
Muitos
idosos estão morrendo, vítimas do coronavírus no mundo; muitos poderão morrer
no Brasil, se imperar a imprudência. Mas eles não morrem sozinhos. Com eles vão
nossos afagos, nossas compreensões; nossas ligações não planejadas e as mais diversas
e cotidianas perguntas que nos tornam humanos: você está bem? Você já comeu?
Não está na hora de dormir? Com eles morrem as “estórias” engraçadas, a já
escassa ternura e as mais doces palavras que pode alguém pronunciar: “mãe”, “pai”,
“vô”, “vó”.
Com
eles, vai o mais vivo sentido de fé, de confiança, relação e abandono a Deus; vai a sabedoria que só cabe no livro da vida.
Neles, morrem nossas lembranças, as memórias de família, que formam identidade.
Não há história sem memória. Não há identidade sem história. O que a história
contará? Que matamos a memória para ganhar tantos tostões? Que nos suicidamos nos
rostos do que seriamos amanhã, se nos sobrasse humanidade?
É preciso dizer NÃO à “cultura do descarte"; NÃO
à morte da memória; NÃO ás raízes arrancadas; NÃO ao fim da humanidade que nos
resta!
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