Fé, Castigo e Pandemia
“Quem pecou para que ele nascesse cego, ele ou seus pais?” (Jo 9,2)
Nestes dias em
que nossa geração se depara com a força de uma pandemia, surgem pensamentos,
alimentados pelo medo, que buscam razões para uma questão a muito levantada:
por que o mal no mundo? Por que Deus permite essa desgraça? Ele permite ou é o
próprio autor deste mal? Não será castigo por termos ofendido o nome de Deus
desta ou daquela forma? Como podemos aplacar a sua fúria?
Há alguém que
acredita e defende este deus feito “a imagem e semelhança do homem”: vingativo,
irado, rancoroso. Mas este não é o Deus de Jesus Cristo; não é o Pai que Jesus
conhece e que nos deu a conhecer. Também no seu tempo Jesus teve que lidar com
o pensamento de que o sofrimento era castigo de Deus: “Quem pecou para que ele
nascesse cego, ele ou seus pais?”. Jesus combate essa ideia corrigindo seus
discípulos: “Nem ele pecou, nem seus pais, mas isso serve para que se
manifestem nele as obras de Deus”.
A verdade
frustrante é que a fé não traz reposta para o porquê do sofrimento, para o
porquê do mal, para o porquê da pandemia. Ao menos não de forma convincente.
Mas de uma coisa devemos ter clareza: Deus não é seu arquiteto e nem o seu
autor. Jesus nos mostra o que Deus faz diante do mal: “isso serve para que se
manifeste nele a obra de Deus”. A “obra de Deus” é o bem. Deus não cria o mal
para ter onde fazer o bem; ele tira o bem até mesmo do mal. Foi assim na morte do
Cristo, que nos deu a vida.
Este é o jeito
de Deus agir: não procurando culpados para anotar no seu caderninho ou se
alimentando do desespero daqueles que acolheu como filhos, mas sim vendo,
sentindo compaixão e cuidando (cf. Lc 10,33-34). Onde está Deus, afinal, nestes
dias de morte e desespero trazidos pela pandemia? Está certamente chorando com
os que choram, cuidando com os que cuidam, fortalecendo aqueles que já não tem
força.
Nós, que somos
pessoas de fé, somos convidados neste tempo de Quaresma e quarentena a olhar
para Jesus e aprender dele o jeito de Deus agir no verdadeiro jeito humano de
ser. É preciso tirar o bem deste mal. A vida precisa redescobrir o seu gosto
para além da produção. “Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os
outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chegamos a aprofundar. [...]
Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver. Uma alternativa
será resgatar a nossa relação com o tempo”.*
Quando
re-descobrimos o silêncio e a lentidão, re-descobrimos que somos limitados; que
precisamos parar; que não sabemos parar; que já nem queremos chegar. Assim como
Jesus que tira o bem do mal, vivamos estes dias de quarentena com responsabilidade
e profundidade: em casa, zelando pela vida que habita em mim e no outro; olhando
para aquilo e para aqueles que já não olhávamos; comunicando a verdade em nossas
redes sociais e servindo conforme nossa possibilidade. Desta forma
encontraremos a Deus, conheceremos Jesus e seremos verdadeiramente humanos.
- Victor Paiva,ofs
*José Tolentino Mendonça. Libertar o Tempo: para uma arte espiritual
do presente. Paulinas. 2019.
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